Aprendi desde muito cedo que a gente não tem o poder de postergar o tempo. Logo, não tem problema adiar dias de férias naquele lugar incrível, deixar pra outro dia o jantar com amigos num restaurante badalado, comprar roupas novas pode ficar para frente ou mesmo adiar o início da dieta tão desejada. Sim, isso eu adio sem o menor peso na consciência. Provavelmente tu também adias, ele adia, nós adiamos. Não há maiores prejuízos.

Iniciei a minha vida profissional, há quase 29 anos, quando ingressei na rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte, por meio do único concurso público que participei e me dei por satisfeita. Não tardou para que começasse a enxergar o que faz mal a escola pública.

Fui amadurecendo na vivência do cotidiano escolar e com a verticalização da formação acadêmica. Cresci na capacidade de refletir, criticamente. Um incômodo me acompanha: a facilidade com que se conjuga o verbo adiar na gestão da educação, deixando um rastro de fracasso que se reflete em mazelas sociais.

Resultado da falta de agilidade nos encaminhamentos, às vezes lentidão para ultimar providências, baixa capacidade de gerir crises, grau dos óculos bastante restrito para encontrar soluções e alternativas, em meio a dificuldades, é fato: quase sempre a gestão pública pensa quadrado.

Cresci como servidora pública assistindo aos gestores, sem generalizar, com muitas dificuldades de saírem da “caixa” ou da fôrma que paralisa e produz fracasso escolar.

Enraizada nas próprias debilidades ou interesses, a gestão pública se esmera em culpabilizar. Em nome das faltas que não foi capaz de dar conta em tempo ou daquilo que mais tarde vai trazer um certo júbilo pessoal, se recorre ao verbo do atraso e ADIA.

Acontece que adiar na educação pública, faz estragos na vida de crianças e jovens porque não temos como segurar o tempo. Meninos e meninas crescem, faz anos, deixam de ser crianças, adolescentes, jovens.

O público da escola básica cresce, enquanto a gestão pública se atrapalha em nome das carências de seus gestores ou da burocracia excessiva que impera. O público cresce enquanto se adia o início das aulas aqui e acolá, adia o funcionamento de uma unidade de ensino nova, adia a chegada de professores necessários, adia a realização de atividades essenciais.

É bizarro se verificar que a gestão pública adia até a implementação de ações a partir de um documento pronto, elaborado para orientar o processo de ensino e aprendizagem, aguardado há décadas pelas escolas. Estranho!

Quando passei pela secretaria de educação do estado, num passado recente, lutei com todas as minhas forças contra as maldades do verbo adiar. Junto com a equipe vencemos praticamente todas as batalhas, mesmo quando alguns não acreditavam que daria certo.

Um dica: ainda que tudo não esteja em perfeitas condições, faça! Na educação pública sempre será infinitamente melhor do que adiar, afinal todos os anos meninos e meninas fazem aniversário.

Um comentário em ““Adiar”, o verbo da maldade na educação pública

  1. Incrível como é angustiante ver essa cultura do “adiar” se tornar tão natural. Pior que se cobra dos outros, principalmente dos governantes, mas o que depende de cada um, “pode ficar para depois”.

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