Recentemente, em uma das lives realizadas pelo Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), foi mencionado o termo “Currículo Potiguar”, causando desconforto em alguns professores que acompanhavam aquele diálogo online. Não demorou muito para que indagações me chegassem: “Mas do que se trata esse Currículo Potiguar que foi falado na Live?” “E o Rio Grande do Norte resolveu elaborar um novo currículo sem nem implementar o que temos?”
Governado por uma professora que defende o diálogo aberto e franco, o Rio Grande do Norte realmente parece repetir, hoje, os equívocos do passado. Fica difícil compreender que, a pasta da Educação, já esteja elaborando uma nova proposta curricular, considerando que, há menos de dois anos, após consultas públicas online, oitivas em reuniões e seminários realizadas nos diversos municípios polos do Estado, além de o trabalho exaustivo da equipe de redatores, composta por docentes da Educação Básica, o “Documento Curricular do Rio Grande do Norte – Educação Infantil e do Ensino Fundamental” foi lançado e posto à disposição de todos, em momento público.
O Documento Curricular do Ensino Médio foi elaborado e entregue, em dezembro de 2018, ao Conselho Estadual de Educação (CEE) para análise e parecer, quando em seguida seria homologado, lançado e entregue às escolas. Registre-se que, inexplicavelmente, tão logo foi iniciado o trabalho da atual gestão, deu-se a descontinuidade: o documento do ensino médio foi solicitado ao CEE com a justificativa de que passaria por adequações, embora tivesse sido elaborado à luz da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), inclusive a equipe do RN contou com a consultoria da mesma instituição que assessorou o MEC na elaboração da BNCC. Ora, flagrantemente, o esforço coletivo é, então, atropelado como se o feito não tivesse valor. Conclusão: se o ano de 2018 terminou com a certeza de que, finalmente, a Educação Básica do RN teria um currículo para fazer frente aos seus indicadores, 2019 chegou para desconstruir esperanças e, um ano e meio depois, nada foi feito para reparar o atraso.
Homologada e transformada em norma nacional, a BNCC desencadeou a elaboração e atualização dos Currículos Estaduais de Educação, por todo o Brasil. Pela urgência da Educação Potiguar, há anos asfixiada pelos seus indicadores, a equipe que estava à frente da gestão estadual foi ágil, não era mais possível se trabalhar no ritmo do atraso. Construir as diretrizes curriculares era uma das ações do projeto Governo Cidadão, subsidiado por recursos do acordo de empréstimo com o Banco Mundial. Isso para dizer que as elaborações dos documentos curriculares do RN ensejaram investim ento de tempo, talentos, capacidade de cocriação, de recursos, de emoções. Por que ignorá-los?
Uma hipótese para justificar tal postura ganha corpo quando se analisa na perspectiva ideológica, justamente porque o debate da BNCC atraiu posições favoráveis e desfavoráveis, bem ao gosto da divisão do país, pós-impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Os contrários preferiram desconsiderar que o Brasil teria, pela primeira vez, desde a Constituição de 1988 e dos Parâm etros Curriculares Nacionais, de 1997, a garantia de uma Base Nacional Comum Curricular. O RN, por excelência, apesar de ter tido diversas personalidades ilustres a cuidar da Educação, nunca teve um documento normativo e orientador, que apresentasse uma estrutura curricular consistente para a Educação Básica, comprometido com direitos de aprendizagens para as crianças, para os adolescentes e para os adultos a partir da oferta de uma formação integral, desde as escolas.
A relevância desses documentos reside em ser, o currículo, tudo aquilo que uma sociedade considera necessário que os estudantes aprendam ao longo de sua escolaridade. Como acontece com quase todos os temas educacionais, as decisões sobre currículo envolvem diferentes concepções de mundo, de sociedade e, principalmente, diferentes teorias sobre o que é o conhecimento, como é produzido e distribuído, qual seu papel nos destinos humanos. O curioso é que no processo de homologação da BNCC surgiu um movimento no RN, uma espécie de pacto pela Educação, que aproximou as redes de ensino Municipais, Estadual e parte da Privada. Dessa forma foi permitida uma maior adesão de todos aqueles que desejaram colaborar com a construção do Currículo.
O envolvimento dos diversos autores da comunidade, nesse processo de construção, foi um passo fundamental na criação de um Currículo que não fosse algo meramente para ser guardado nos armários das escolas. Acrescido a esse fato, foi fundamental ter docentes que atuavam em salas de aula, nas diversas redes de ensino, na equipe de elaboração da minuta inicial. Os redatores foram selecionados nas escolas, em diversas partes do RN, constituindo-se numa iniciativa pioneira, pois durante anos era comum observar essas figuras serem selecionadas a partir de critérios menores e questionáveis. Sim, mas eram necessários redatores que estivessem na educação básica para escrever proposta s reais e não discursos acadêmicos polidos que não atenderiam às necessidades das salas de aula. Essa verdade foi confirmada e reconhecida, nacionalmente, pelas equipes envolvidas nesse processo, em todo o Brasil, ao conceder a um professor do RN o Prêmio de Redator Nota 10. Esse prêmio reconheceu o destaque do trabalho do redator perante diversos outros que representavam os diversos estados da federação.
A equipe de redatores precisou atender a alguns critérios para garantir que a proposta Curricular, entregue por eles, pudesse ter uma representatividade na sua elaboração. Entre esses quesitos estaria o fato deles serem da educação básica e participarem de formações específicas para conhecer a proposta da BNCC. Pela primeira vez uma proposta surgiu da sugestão dos docentes da Educação Básica que conhecem a realidade das salas de aula. Essa ascensão gerou um desconforto junto a alguns docentes de Instituições de Ensino Superior que não estiveram à frente do processo, pois o entendimento era a construção de uma proposta mais aplicada e n&atil de;o tão implicada de conceitos teóricos, que não se materializam nas salas de aula.
O RN tem o seu currículo, da Educação Infantil ao Ensino Médio, construído por potiguares, por quem faz a Educação, diariamente, nas escolas, nas regionais e nas secretarias de educação, uma gente competente e dedicada. Ele encontra-se pronto para ser implementado. O discurso simplista de um novo currículo é uma afronta, quando se devia dedicar energias à próxima fase e para outras pautas urgentes. É estranho que se desconsidere todo esse processo e, sobretudo, a autoria de quem produziu com afinco e têm seus nomes impressos nas fichas técnicas dos documentos, evocando respeito e consideração. Convém indagar: Por que não experienciar o currículo encontrado pronto e depois de um período de quatro ou cinco anos fazer uma avaliação e realizar os ajustes necessários? Será que estamos passando por mais um momento de mera recusa pelo currículo ter sido construído na gestão anterior, ainda que tenha sido por quem faz a Educação do/no Estado?
Finalmente, é oportuno não esquecer: em tempo de vermelho nos caixas, o recurso público deveria ser mais bem direcionado, pois repetir investimentos naquilo que já foi feito se configura como gasto, um desperdício bastante grave, afinal se trata do mesmo objeto.
Claudia.
Sinto-me confortada com seus textos. Como pensamos e agimos de maneira parecida. Também construímos em Mossoró, na época em estive Secretária. Foi um trabalho maravilhoso com reconhecimento dos professores que participaram. A maioria, diga-se.
Vamos continuar disseminando ideias que nos projete para frente, para uma sociedade que pense aja, não apenas copie e faça de conta. Chega!
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Isso mesmo, Professora Ieda!
É muito bom saber da nossa sinergia.
Grande abraço.
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