Desde a instituição do Piso Salarial dos Professores pela Lei 11.738/08, inicialmente fixado em R$ 950,00, a então deputada federal Fátima Bezerra assumiu a posição de defensora irrestrita de sua aplicação integral por parte de governadores e prefeitos em todo o país, especialmente no Rio Grande do Norte.

De acordo com uma reportagem da Agência Câmara de Notícias, de 02/04/2009, “a coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa do Piso dos Professores, deputada Fátima Bezerra (PT-RN), defendeu que o Supremo Tribunal Federal (STF) reverta a decisão liminar que incluía as gratificações dos professores no cálculo do piso salarial da categoria”. Ou seja, a argumentação da então parlamentar visava impedir a distorção do sentido do piso salarial. O ponto central de sua defesa era garantir que o piso não fosse confundido com uma espécie de teto, protegendo, assim, a carreira dos professores e evitando a desvalorização dos profissionais que possuem mais titulações e tempo de serviço, os quais, por direito, merecem vantagens em relação aos que estão no início da carreira.

A mesma reportagem registrou que, em audiência pública, Fátima Bezerra afirmou que as prefeituras e os estados, em vez de se recusarem a pagar o piso salarial, deveriam exigir regulamentação de recursos da União para complementar o pagamento do piso. A parlamentar se expressou da seguinte forma: “A lei foi aprovada por unanimidade na Câmara e no Senado. Nós sabemos o que ela significa em matéria de termos uma política pública voltada para a valorização do magistério brasileiro, e é nosso dever zelar pela lei”.

Nos anos subsequentes, acompanhamos a voz firme da deputada federal e, posteriormente, da senadora Fátima Bezerra a defender a Lei do Piso e o esforço para encorajar as lutas da categoria, no RN, diante de governos que alegavam dificuldades para realizar as atualizações anuais. Foram incontáveis as greves que tiveram o seu apoio, assim como de outros parlamentares da chamada esquerda.

A partir de 2019, já no cargo de governadora do estado do RN, Fátima Bezerra começou a enfrentar greves frente à luta dos professores pela garantia das atualizações do Piso. Inacreditável, mas o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do RN (Sinte-RN), que em outros governos exigia a implementação da atualização do Piso já na folha de pagamento do mês de janeiro, não obteve nem mesmo essa conquista estando, a professora Fátima Bezerra, por dois mandatos, no posto mais alto do executivo estadual. Além disso, os parcelamentos dos retroativos passaram a acontecer como nunca havia sido praticado, adotou-se números de parcelas a se perder de vista e com início dos desembolsos apenas no ano seguinte ao de referência, até culminar na suspensão, por decisão judicial, do pagamento referente a 2023, que havia começado somente o ano passado.

Ainda que a governadora Fátima Bezerra tenha, por alguns anos, zelado pela Lei do Piso, como havia convocado lá atrás, em 2009, neste início de 2025 parece que o seu discurso já não se sustenta. O governo baseia-se em argumentos frágeis ao sugerir que existe um impedimento legal para conceder a atualização a todos os professores, em respeito à carreira. É surpreendente a tentativa de comover com a alegação de que deseja fazer, mas não pode. O mais grave é que essa decisão atual estabelecerá um precedente negativo para governos futuros. Ora, justamente a professora Fátima Bezerra oferece o discurso que poderá vir a ser utilizado por administrações futuras que, porventura, também não se esforcem para respeitar a Lei do Piso, afinal de contas “se até a professora governadora, ex-presidente do Sinte/RN, deixou de conceder a atualização do Piso para todos os professores, é por não ser possível para as finanças do estado.” O dano atual é realmente incalculável e já podemos dizer que o piso dos professores do RN ficou órfão de uma “mãe” professora, sindicalista e chefe do executivo estadual. Justamente Fátima Bezerra que, no seu governo, tem feito tudo o que deseja no que diz respeito aos reajustes ou atualizações salariais para várias categorias, incluindo as que recebem os salários mais altos, interromperá um compromisso histórico com os professores, segmento ao qual deve o palanque que a fez a política vitoriosa que conhecemos.

A despeito, há alguns anos alerto que o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) não é infinito, mas a atual gestão estadual age, ostensivamente, como se fosse. Medidas simples poderiam fazer uma grande diferença nas contas da Educação. A primeira delas seria devolver às escolas aqueles professores efetivos, jovens e saudáveis, convocados dos últimos dois concursos (2011 e 2015) que estão em desvio de função, espalhados por aí, atrás de mesas da burocracia, protegidos por interesses menores, enquanto muitas salas de aula seguem sem professores ou ocupadas por temporários. É inacreditável, mas as contratações de professores em duplicidade, por meio de recorrentes processos seletivos, parecem passar ilesas no crivo dos órgãos de controle e fiscalização. 

Francamente, se a governadora Fátima Bezerra quiser manter vivo e coerente o seu discurso, se o estado quiser manter o percurso de valorização salarial dos servidores da Educação é fundamental apresentar capacidade de gestão: reorganizar a rede de ensino, ajustar as ofertas, realizar a otimização racional das turmas, dos turnos e das escolas, e, portanto, dos recursos humanos para torná-los proporcionais à matrícula. Sim, porque por um lado é preciso cessar as práticas imobilizantes de gestão paternalista e clientelista e por outro lado determinados “servidores”, aqueles que se servem da Educação, precisam sair da zona de conforto, do lugar de seres intocáveis, para ajudarem a salvar o Piso e as próprias carreiras, inclusive. Afinal, a maior parcela dos recursos vinculados à Educação depende do número de alunos e não de escolas, tampouco de professores. Escolas e professores em quantidade que excede ao necessário produz gastos, desperdícios e mina a capacidade de investimentos no que de fato seria essencial.

Atentemos: se em 2009 a Fátima Bezerra, deputada federal, dizia ser necessário prefeitos e governadores exigirem regulamentação de recursos da União para complementar o pagamento do piso, em 2025 a rede estadual de ensino, por ironia do destino, no governo Fátima Bezerra, perdeu milhões de reais de complementação de recursos da União, por meio do VAAR, indicador do Novo Fundeb, exatamente por não ter tido a capacidade de gestão para cumprir as cinco condicionalidades impostas pela legislação. 

Realmente algo está muito errado na gestão da educação estadual. Deste modo, fica difícil de o RN ter capacidade de investir na valorização da carreira dos seus reais servidores da educação, isso para ficar apenas nesse ponto porque o debate sobre a qualidade do ensino é um nó que estamos longe de desatar. No quesito Piso Salarial dos Professores ainda acredito na coerência de Fátima Bezerra. A conferir!

(Cláudia Santa Rosa – Professora da Rede Estadual há 35 anos. @ClaudiaStaRosa)

3 comentários em “A orfandade do Piso Salarial dos Professores no RN

  1. Nenhuma novidade, a esquerda cobra os outros, mas quando estão no poder fazem menos do os que eles cobram e acusam, dividem todos em grupos e joga uns contra os outros, todos da esquerda são medrioques e mentirosos, só enganação para chegar ao poder e se perpetuarem lá, só pensão nisso, e usam qualquer um para conseguirem, pretos, índios, gays, florestas, marés e etc…

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  2. Parabéns professora ,Cláudia Santa Rosa! Belíssima mensagem, você sim , é exemplo para todos os professores , lembro-me muito bem enquanto estivestes a frente da Secretaria de Educação, professores valorizados e suas boas práticas de Ensino Aprendizagem repassando por você em reuniões em todas as Direcs de todo o Estado do Rio Grande do Norte, em seguida assumistes a direção de uma escola que tinha baixo índice de matrícula e que ascendeu significativamente os números de matrículas, o IDEB, superou o número da média Nacional, enquanto atuastes como coordenadora de uma Instituição Pública de Ensino escola em Natal.

    A você, todo o meu respeito e admiração!

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