Diretora do IDE acha que agentes públicos devem se despir das vaidades
A pandemia da covid-19 mudou os rumos da Educação no Rio Grande do Norte — bem como no restante do país . E quando se trata do ensino público, os desafios para voltar ao eixo são ainda maiores. Sobre o tema, a diretora executiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), Cláudia Santa Rosa, destaca a fragilidade do cenário atual e a importância de que “seja feito um esforço para trazer os estudantes de volta às salas de aula”.
A professora, que foi também secretária estadual da Educação na gestão passada, pontua que o RN não implementou políticas públicas para assegurar a continuidade do processo de ensino no período em que as unidades educacionais precisavam estar fechadas. “Não se distribuiu chips com internet, tampouco equipamentos pelo menos para os estudantes mais vulneráveis”, explica. Essa “exclusão tecnológica” teria aumentado ainda mais a distância entre a rede pública e a privada.
Na entrevista exclusiva ao Agora RN, Cláudia ainda falou sobre as condições físicas das escolas potiguares e sobre o novo ensino médio, classificando as declarações recentes do ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro, acerca do diploma universitário, como “desnecessárias, desagregadoras, infelizes”.
Agora RN – A pandemia criou um momento absolutamente desafiador para a Educação de forma geral? Na sua avaliação, o que é preciso ser feito agora no RN para amenizar ou mitigar os efeitos deste período tão delicado?
Cláudia Santa Rosa – A pandemia chegou e mostrou que a Educação, especialmente a pública, podia se tornar ainda mais frágil. Mitigar os prejuízos requer, antes de tudo, que 100% das escolas retornem com as aulas presenciais, que seja feito um esforço para trazer os estudantes de volta às salas de aula. Estado e municípios precisam garantir as condições de funcionamento regular das unidades de ensino: merenda, transporte escolar, professores, profissionais de apoio, prédios habitáveis. Depois, durante os primeiros 30 dias da volta, será fundamental aplicar instrumentos de diagnóstico, em larga escala, para orientar práxis pedagógicas assertivas com foco nos objetivos de aprendizagens essenciais. Ampliar o turno de aulas porque quatro horas serão insuficientes para superação das lacunas. Tudo isso vai exigir grau elevado de competência técnica e capacidade de gestão das secretarias de educação. Impossível programas robustos sem o apoio da União, dos poderes constituídos e de toda sociedade.
Agora RN – Nesses meses em que as escolas ficaram fechadas, a rede pública potiguar conseguiu atender bem as demandas dos alunos? O que mais distanciou o ensino público do particular, no período?
Cláudia Santa Rosa – Infelizmente, o RN não implementou políticas públicas para assegurar a continuidade do processo de ensino e aprendizagem, nesse tempo em que a escola transbordou para além do prédio. Não se distribuiu chips com internet, tampouco equipamentos pelo menos para os estudantes mais vulneráveis. A rede estadual apenas chamou a atenção para o uso do SigEduc, plataforma já existente há nove anos. Exigiu a parte burocrática das escolas: abastecer o sistema com dados. Nesse momento se fala em ampliar a conectividade para as escolas e isso é muito pouco. A urgência foi/é viabilizar a inclusão digital dos estudantes, em casa, porque mesmo depois da volta ao presencial os estudos precisam acontecer em jornada ampliada e o digital será estratégico. Foi esse contexto de faltas, de exclusão tecnológica, que distanciou as escolas públicas das particulares.
Agora RN – Sobre o retorno presencial, a senhora acredita que as escolas – bem como a comunidade escolar – já estavam prontas? Falo também do ponto de vista estrutural das unidades educacionais.
Cláudia Santa Rosa – Leio, ouço e presencio realidades que evidenciam que muitas escolas, não somente da Rede Estadual de Ensino, estavam e estão carenciadas de condições físicas mais apropriadas porque ficaram muito tempo fechadas e sem manutenção ou reformas. Perdemos um ano e cinco meses, tempo precioso para cuidar dos prédios. Há escolas onde serviços de reparos começaram depois que foi feito o anúncio da volta de algumas ao presencial e seguem sem data para concluir. Por decisão de uma assembleia da categoria dos professores e anuência do Governo, muitos docentes não retornarão às atividades antes de outubro. Escolas estaduais e algumas de redes municipais, onde a volta ao presencial ocorreu, enfrentam problemas de falta de professores, de merenda e/ou transporte escolar. Como vemos, não estão preparadas.
Agora RN – Em um artigo recente, que abordava a descontinuidade de gestão, a senhora afirmou que “a educação do RN não aguenta recomeçar”. O que é preciso fazer para que as mudanças de governos não impactem negativamente ou não atrasem o desenvolvimento da educação e do ensino?
Cláudia Santa Rosa – É necessário e urgente um Pacto pela Educação do RN, exatamente o que ocorreu em estados brasileiros que têm dado lições sobre como avançar na qualidade do ensino. Basta os agentes públicos se despirem das vaidades e começar a agir como estadistas, sem pensar nas próximas eleições. Isso implica em não reinventar a roda, ir para frente, otimizar recursos naquilo que é prioritário, evitar delírios, somar talentos e não subtraí-los.
Agora RN – O ENEM teve o menor número de inscritos desde 2005. Esse pode ser considerado um sinal do retrocesso na educação brasileira?
Cláudia Santa Rosa – Sim, certamente. É uma evidência do momento de exclusão que vivenciamos. A evasão escolar forçada é flagrante e um expressivo número de jovens, no RN, por exemplo, não têm contato com os seus professores, desde março de 2020, ou seja, não se sentem mais alunos. Como esperar que acreditem que seria possível ter êxito no ENEM? Atentemos: os que vão concluir o ensino médio no final do ano só tiveram aulas presenciais em 2019, ou seja, dois dos três anos ficaram comprometidos. Essa é a fotografia.
Agora RN – Como a senhora avalia a gestão federal na Educação, com o novo ensino médio e as declarações polêmicas do atual ministro sobre o diploma universitário?
Cláudia Santa Rosa – O Novo Ensino Médio sofre um atraso gigante nas providências, mas estamos às vésperas do prazo limite para ser implementado. O quinto itinerário que é previsto, envolve a oferta da Educação Profissional e Tecnológica, nascedouro, provavelmente, do que falou o ministro a respeito do diploma universitário. Considero, entretanto, que foram declarações desnecessárias, desagregadoras, infelizes. Caso a pretensão dele seja investir no ensino técnico, ótimo, perfeito, mas as declarações teriam que ser de lançamento de uma política, um programa, uma iniciativa concreta. Que o MEC expanda, massifique o ensino técnico de forma planejada e deixe ver o que acontece. Isso não exclui o ensino superior dos projetos de vida dos jovens de estratos sociais mais empobrecidos. Permita-me dizer que sou entusiasta do ensino técnico. Quando deixei o cargo de secretária de Educação, o RN ficou em primeiro lugar: o estado brasileiro com o maior percentual de matrículas de ensino médio integrado ao técnico. É claro que os institutos federais são fundamentais nessa estatística, mas a rede estadual cresceu, exponencialmente, saiu de uma unidade de ensino, em 2016, com essa oferta, para 62 a partir de 2017. Isso não foi pouco, mas infelizmente não aparece porque os dados negativos interessam bem mais.
Agora RN – O bullying nas escolas já causava preocupação. Mas com o avanço das redes sociais, ele ganhou uma dimensão muito maior com impactos ainda mais danosos. Na sua análise, o que é preciso ser feito para combater o cyberbullying?
Cláudia Santa Rosa – Família, escola, igreja, veículos de comunicação… precisam educar, informar, crianças e jovens, investindo no princípio mais caro: o respeito. O meio social é quem forma ou deforma os que estão em processo de construção de identidade. Ao mesmo tempo, o cyberbullying precisa ser combatido por meio de regulações mais severas e competentes das próprias redes sociais.
Fonte: AgoraRN – 26/08/2021