Começamos com uma afirmativa: administrar é inerente à condição humana. Ainda que não seja consciente, tanto a vida privada quanto a pública, exige permanentes planificações, basta pensarmos que, por si só, a sobrevivência do indivíduo nos grupos sociais que toma parte, é sempre decorrente de ações, minimamente, planejadas e gerenciadas, sob o efeito da sua condição de sujeito crítico ou acrítico. Até mesmo antes da invenção da escrita, a história da humanidade, revelada pelos estudos da Arqueologia e da Antropologia, dá conta das descobertas e das gestões realizadas pelo Homem para garantir a própria vida, num processo de constante evolução.
Na contemporaneidade, no que tange às instituições, a boa qualidade da gestão garante o êxito dos projetos empreendidos e ela poderá se dá de forma democrática ou não. Para uma escola que pretende consolidar-se por levar a cabo um projeto pedagógico capaz de incluir a todos (as), de fato só faz sentido se pensar numa gestão do tipo colegiada, aquela que é baseada no princípio da democraticidade e da convergência de diferentes pontos de vistas sobre um mesmo objeto. Logo, se a ideia de inclusão carrega consigo o reconhecimento da heterogeneidade, é preciso diluir o poder, abrindo o espaço para a negociação e a decisão compartilhada, sem desconsiderar os campos de conflitos que perpassam a convivência coletiva.
É a gestão colegiada que deve se encarregar da tarefa de fazer a mediação do projeto da escola, de zelar pela coerência entre o seu quadro de intencionalidades e as práxis dos atores sociais, de redirecionar as ações, tendo em vista os princípios e as metas definidas. Deste modo, a tensão faz parte das instituições que pretendem ser democráticas, porque a história das organizações denota uma maior tradição dos modelos unilaterais, excessivamente hierarquizados, tendenciosos à dominação de uns sobre os (as) outros (as), assim como daqueles que evocam a democracia para fazer valer as suas vontades, por vezes, de verdade, num campo marcado por relações corporativistas e/ou práticas paternalistas e clientelistas.
Nas últimas décadas diversas redes de ensino têm feito a transição do “pré-histórico” e nocivo modelo de indicação de diretor de escola por alinhamento político-partidário para o de escolha por eleição direta, pelo voto da comunidade escolar. Não são raros os casos em que se observa práticas das eleições convencionais se instalarem nas escolas. Passado o pleito, comunidades vivem a realidade de gerenciar fraturas nas relações interpessoais, além do gestor precisar aprender a realizar tarefas até então desconhecidas.
Isso posto, um primeiro posicionamento: a gestão colegiada da escola, regida pelo princípio da democraticidade, nos termos acima explicitados, não é tributária de um processo de escolha de diretor pelo voto. São os órgãos colegiados que garantem a autonomia institucional, por meio da construção de um sistema que respalda a participação soberana de todos (as) que integram a comunidade escolar e fortalece a interlocução com setores externos.
A gestão colegiada pressupõe a definição de papéis e de competências para que não ocorram intervenções esvaziadas do saber especializado e próprio de cada segmento. O projeto da escola estará condenado ao fracasso, caso, por exemplo, em nome da democracia decisões sejam tomadas apenas porque alguém conseguiu a maioria dos votos para impor a sua vontade.
Segundo posicionamento: profissionalizar a gestão da escola passa pela escolha dos seus gestores por meio de concurso público, sem prejuízos à gestão colegiada e, consequentemente, ao princípio da democraticidade. Não é nada razoável o modelo que prega formação para os professores que se candidatam a gestores das suas escolas, quando sabemos que se trata de um processo aligeirado e sem tempo para verticalização, considerando a rotatividade de mandatos. Salvo exceções, gestores sofrem as agruras de ter que realizar tarefas desconhecidas, sofrem as escolas e aquilo que deveria ser investimento, vira gasto.
Para quem vislumbra a qualidade social da escola pública, recomendo examinar experiências como a da Prefeitura de São Paulo. Lá, a Lei Estadual nº 14.660/07 garante o Concurso de Acesso para Coordenador Pedagógico, Diretor de Escola e Supervisor Escolar. Esse tipo de concurso se caracteriza por exigir experiência anterior – “tempo de efetivo exercício na Administração Direta da PMSP em cargos e/ou funções docentes do magistério” – para mudança de cargo.
Por fim, reitero: defendo uma gestão escolar que se coaduna com a reciprocidade de responsabilidades, frente a um projeto coletivo. Esse não é um processo simples, porque evoca o sujeito politizado, que colabora para a democratização da escola.
No mais, promover mudanças frente ao estabelecido, requer coragem e espírito público em dose que nem sempre a demagogia da politicagem permite se lançar. Aguardemos, pois!
Artigo publicado em fevereiro de 2016.