Desde sempre, optei pela formação do cidadão nos projetos educacionais dos quais tomo parte. Tal ideia se justifica pela necessidade que enxergo de ser primordial o protagonismo e a autoria de pensamento, desde a infância. No âmbito da escola, esse pressuposto requer clareza sobre o direito de todos a uma escola competente, alicerçada em princípios humanistas e práticas pedagógicas fortalecedoras da formação integral da pessoa.

Reporto-me à Grécia antiga e a origem da conceituação sobre cidadania, para situar o cidadão, como sendo todo e qualquer habitante da cidade, que cumpre seus deveres, mas a quem o Estado tem obrigação de garantir os direitos civis e políticos. Não obstante ao que sinaliza o léxico sobre cidadania, aliás, respaldado pelas letras constitucionais brasileiras, na prática social, somente é cidadão aquele que, verdadeiramente, tem consciência política para reclamar essa condição e escrever a sua história. Diante de um cenário de desigualdades sociais, concordo com os estudiosos que afirmam que a luta pela cidadania no Brasil, portanto, assume, predominantemente, a luta pelo resgate da dívida social, pela equidade de direitos, condição à inclusão de todos, tendo em vista o bem comum.

Preservar os direitos sociais passa por garantir o acesso à informação, aos bens culturais, ao domínio dos códigos e das convenções para o convívio em sociedade. São, pois, a rede de serviços sociais e o sistema educacional, determinantes para o bem-estar. Assim, a cidadania não pode ser entendida como resultado de uma outorga do Estado, mas de uma construção social, resultante, inclusive, dos movimentos da sociedade civil.

Basta de uma escola que alardeia que investe na formação para a cidadania, lançando-se para um futuro, como se não fosse possível vivê-la no presente. É imprescindível que a escola, desde a mais tenra idade, ajude a formar o cidadão, o que só é possível num espaço democrático e de vivência da cidadania, de modo que, desde o presente, a criança possa agir de maneira autônoma, solidária e responsável. O pedagogo francês, Cèlestin Freinet (1896-1966), numa das suas obras, afirma: “A democracia do amanhã prepara-se pela democracia na escola. Um regime autoritário na Escola não seria capaz de formar cidadãos democratas”. Assim, pretender a formação da criança e do jovem, entendidos como cidadãos, implica em atitudes promotoras de um ambiente de trabalho pedagógico à altura dessa intencionalidade.

Durante a minha pesquisa de doutorado, na Escola da Ponte, em Portugal, um dos entrevistados discorreu sobre os seus primeiros momentos na instituição: “lembro-me de muitas vezes preocupar-me com a cadeira, de arrumar a cadeira, essas pequenas coisas, não é? não deixar o miúdo falar sem ter dado a palavra, todos esses pormenores.” Numa escola com tal compromisso, os cuidados com as próprias atitudes revelam um processo de formação desencadeado não somente junto às crianças, mas também aos educadores e educadoras.

A Ponte ensina que em qualquer escola que tenha projeto de formação na cidadania, no início os estudantes precisam ser muito orientados, muito direcionados, num contexto de autonomia limitada. A construção da autonomia é, portanto, gradual, a partir das aprendizagens, do exercício da participação do cidadão, que tem as rédeas do seu destino. Tudo deve começar pelo estímulo para que a criança faça escolhas, pense e decida o que terá que produzir na sua jornada diária de trabalho escolar, avaliando, nos últimos minutos da mesma, o que conseguiu cumprir.

Assim sendo, o compromisso pedagógico com a formação do cidadão nutre o imperativo da construção de uma sociedade inquieta, incomodada com desmandos que afetam a coletividade. Isso precisa ser um ato intencional da escola, dos educadores, das famílias e até mesmo da sociedade.

Texto publicado em maio de 2014.

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