Começo da tarde, terceiro sábado de julho, 2014. A notícia: “O escritor e educador Rubem Alves, morreu aos 80 anos”. Pensei: partiu o homem pássaro para fazer, não sei, talvez o seu último voo, um voo para o infinito. Logo a notícia se espalhou nas redes sociais e com ela, de forma surpreendente, inúmeras homenagens: fragmentos de textos do poeta, do educador, do homem da palavra. Fiquei tentada a postar algo bonito escrito por ele, mas preferi silenciar e refletir.

Tenho uma certeza: por mais que o lado ácido da academia ainda não tenha dado a devida atenção à obra sensível de Rubem Alves, o Brasil perdeu um dos seus educadores e pensadores mais brilhantes, do nível de Anísio Teixeira e Paulo Freire, apenas para citar esses dois ícones.

Aproximei-me da obra de Rubem Alves em 2003, quando decidi que pesquisaria a Escola da Ponte para defender a minha tese de doutorado em educação. Li muitos textos, sobretudo artigos, contos e crônicas. Fui ouvi-lo em encontros de educação e literários. O seu jeito fascinante de prender o leitor repetia-se nas palestras, simplesmente encantador.

“A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir”, o livro de Rubem Alves que esperei pouco mais de dois anos para lê-lo. Um verdadeiro poema sobre a educação libertadora, escrito a partir do encontro dele com a Escola da Ponte. Sim, evitei ler o Rubem antes de realizar a pesquisa. Temia me deixar guiar pelo jeito que ele viu aquela escola surpreendentemente singular. Recordo-me as muitas vezes em que olhei para o livro e tanto o desejei. Era uma atração movida pela curiosidade, relação parecida foi vivida pela protagonista de “Felicidade Clandestina”, do texto magistral de Clarice Lispector.

Estava em campo fazia pouco mais de três meses. Senti-me preparada e, finalmente, li o livro. Na verdade degustei cada ideia, estudei enriquecida pela realidade que eu já conhecia. Lá estavam crônicas de encantamento. Rubem Alves contou, com os seus olhos de pássaro, o que/como viu na/a Escola da Ponte.

Assim como ele afirmou na página 31 do livro, a Ponte também foi para mim “uma experiência de iluminação”. Ele disse: “Minha grande paixão é a educação. Não posso me conformar com os absurdos que perpassam nossas rotinas escolares: o sofrimento das crianças, a perda de tempo, os esforços desnecessários, os esforços inúteis, os esforços absurdos (…)”. Ora, a improdutividade das nossas escolas é de uma agressão sem limites aos olhos de um educador minimamente comprometido com a educação de crianças e jovens.

Avessa às práticas escolares inspiradas na linha de montagem de fábrica, a Escola da Ponte há mais de 35 anos aposta na pessoalidade, em crianças e jovens com interesses, necessidades e objetivos de aprendizagens únicos. Rubem Alves evocou o processo artesanal – que dispensa modelos – para descrever o jeito de trabalhar, de aprender na Ponte, consubstanciado pela “disciplina, concentração, alegria e eficiência”.

O que mais dizer de uma escola que rompeu com todos os paradigmas hegemônicos? A Ponte assim se fez, por entender que era necessário respeitar as crianças. Aboliu as paredes, a sala de aula, a aula, o professor solitário com os alunos, a turma, o diário de classe, o toque, o livro de ponto, a sala dos professores, a mesa do professor, as carteiras ou mesas individuais, as provas, o planejamento diário do professor. Aboliu os corriqueiros pedidos de silêncio, o castigo, a exclusão de alunos.

A Ponte construiu os seus próprios dispositivos pedagógicos, porque entende que tem que ser assim. Ela é mais do que um prédio, do que uma instituição de ensino. A Escola da Ponte é um projeto de formação de pessoas fraternas, solidárias, autônomas, responsáveis, competentes, cidadãs.

Como diz sempre o José Pacheco, o seu idealizador, a “Escola da Ponte mostrou que a utopia é realizável”. E é! Rubem Alves viu, Maria, Celso, Carla, Jane, João, Thais, Gabriela, Ana Lúcia… viram que é. Eu também vi!

Artigo publicado originalmente em julho de 2014.

Um comentário em ““A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir” 

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